A Amazônia e o "território intelectual" brasileiro
- Wendell Andrade
- 19 de jan. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 20 de jan. de 2023
Não é bairrismo, nem "dor-de-cotovelismo". É sobre o básico para um debate leal. Um convite ao Brasil refletir.

POR WENDELL ANDRADE
Não é de hoje que se observa haver um “território intelectual” sobre Amazônia. Nada contra. É essencial. O problema é: este espaço não está sendo ocupado por quem é da Amazônia. Os integrantes de seletos grupos tornam-se autoridades intelectuais brasileiras, comunicam e são ouvidos pelo planeta. São fartos os documentos apontando o que fazer, em tudo, sobre Amazônia. Nós, amazônidas, não estamos lá.
Trata-se de um problema de várias camadas. A primeira delas, por óbvio, é a da legitimidade, do lugar de fala. Uma outra, próxima, é a da não-compreensão da profundidade real do que se vive na região. Uma visão de homogeneização, como se houvera apenas uma Amazônia.
"Há também um sentimento de que o Centro-Sul não enxerga amazônidas em quantidade e em qualidade suficientes para participarem de grupos que discutem temas complexos. E não é sem fundamento".
A 3ª é um deságue das duas anteriores, já que esta “elite intelectual” forma opinião de grandes decisores (políticos, bancos, grandes corporações), aumentando a probabilidade de equívocos de entendimento e, em consequência, de formulação distorcida de políticas públicas para a região.
É claro que, num momento da História como este, em que o raciocínio binário toma conta de corações e mentes, é preciso registrar que reclamar de X não é, automaticamente, ser contra X e a favor de Y. A produção de ideias – especialmente se baseadas na melhor Ciência disponível – de fora para dentro é muito bem-vinda. A questão aqui é a hegemonia, por vezes agravada para uma exclusivização de quem fala sobre e pela Amazônia.
Há também um sentimento de que o Centro-Sul não enxerga amazônidas em quantidade e em qualidade suficientes para participarem de grupos que discutem temas complexos. E não é sem fundamento: é alto o número de eventos, projetos e grupos de trabalho sobre Amazônia em que não há amazônidas nas mesas. Quando muito, apenas estão behind the stage, dando suporte a profissionais tidos como referências sobre Amazônia, perante o mundo.
Para mim, que vivo a Amazônia desde o nascimento e por decisão de vida, estou acostumado a receber de colegas de fora um já conhecido “então... você poderia indicar alguém da região para falar sobre esse tema?”, o que mostra que a gafe nem sempre é intencional. Há sensibilidade. Por outro lado, as indicações, por não serem conhecidas, recebem desconfiança e quase nunca vingam. É uma espécie de paradoxo ovo galinha, já que são esses os ambientes nos quais elas deveriam primeiro ingressar para, então, se tornarem conhecidas. E não o contrário.
É preciso ouvir e escutar quem está na sala de máquinas do navio, não só quem está na proa. Expectativa de boa viagem para todos os embarcados na missão de navegar no sinuoso rio que é pensar a Amazônia como parte de um projeto sério de desenvolvimento do Brasil, sem fazer dela somente o almoxarifado do País. E do capital externo.
É assunto delicado, que tem lá suas sensibilidades, sabemos. A intenção não é inflamar. É preciso haver espaço para todos. Não é bairrismo, nem "dor-de-cotovelismo". É sobre o básico para um debate leal. Um convite ao Brasil refletir sobre a questão não há de fazer mal.
Sobre os autores
WENDELL ANDRADE é engenheiro florestal, mestre em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (NUMA/UFPA), liderança climática pela Al Gore’s Climate Reality Project, servidor público estadual e professor do Centro Universitário do Pará (CESUPA) . Artigo publicado originalmente em O Liberal.
Comentários